UNDB

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Colação de Grau 2017.1

23.08.17

Confira na íntegra o discurso proferido pela reitora da UNDB, Profª Drª Ceres Murad, na solenidade de colação de grau realizada pela instituição nesta última terça-feira, 22 de agosto.

AMERICANA

Ceres Murad, Reitora da UNDB

O mundo hoje é avesso a unanimidades. A dicotomia, a polarização, o “ou você ou eu” impera na era dos radicalismos, que excluem e alienam.

É exatamente nesse contexto de exclusão e racismo que brota, na meca cultural do mundo – Nova Iorque -  a mais nova unanimidade: Chimamanda Adichie.

Oriunda das elites intelectuais de Lagos, na Nigéria, essa jovem escritora produz seu romance Americanah, não dito mas considerado autobiográfico, tendo como protagonista uma personagem que emigra para os Estados Unidos ao ganhar bolsa de pesquisa em uma universidade.

O primeiro choque da protagonista de Americanah, ao chegar ao país de imensa população negra não é saber-se diferente da maioria, entender-se negra, mas sentir que, lá, isso não era bom.

Chimamanda consegue tratar a delicada questão do racismo norte-americano de maneira inteligente e elegante, revelando, a cada interlocução, a limitação intelectual e de espírito do interlocutor racista – com uma maestria ditada por sua brilhante inteligência - sem agredir ou constranger.

Grande parcela de sua notoriedade adveio quando trechos de um de seus discursos foram musicados pela cantora Beyoncé e, no  início deste ano, seu premiado livro foi recomendado para ser lido em todas as escolas e disponibilizado em todas as bibliotecas da cidade de Nova York.

A grande questão levantada por Chimamanda em seus livros gira em torno do conceito de ideia preconcebida ( pre-conceito). Como é possível concluir, inferir e expressar-se em relação a algo que se prejulga que é – sem procurar averiguar – mas a partir do que o invólucro denota?

Essa não é apenas uma questão racial ou social. O preconceito é, antes de tudo, uma deficiência intelectual. E que contamina, se espalha, compromete o mecanismo da mente, que funciona em torno do próprio umbigo e das próprias conveniências, tornando a moral relativa, assim como as posições políticas e as posturas filosóficas.

Todos nós provavelmente já nos surpreendemos ao conhecer de perto uma pessoa que julgávamos que “deveríamos” rejeitar e acabar gostando dela. Vivi essa experiência e, ao contá-la a um amigo, ele me explicou: “A questão é que o briefing da pessoa não era bom”.

Nós vivemos de briefings – simples e breves  – nos tornamos consumidores de coisas prontas e rápidas. Tão habituados estamos aos fast foods , queremos também fast gente – julgamos bem fast as pessoas,  fazendo o nosso mundo de pseudo  relacionamentos , com pseudo pessoas,  que etiquetamos pelo modo como se parecem: o negro presumivelmente não se libertou de suas raízes tribais, a mulher presumivelmente vai chorar diante do primeiro problema, o homossexual presumivelmente não resiste ao primeiro choque emocional...

Não aprofundar relacionamentos, não buscar conhecer pessoas em profundidade é um dano para a nossa vida social. Mas o dano real é quando se faz isso intelectualmente, com as ideias, com o saber, para tomar decisões - o fast food do mundo do  trabalho. Que profissional deriva desse modus operandi?

Profissão, como diz o nome,  é para ser exercida com profissionalismo – o que implica em compromisso, persistência e densidade. Implica em tomar para si problemas e desafios e ir ao fundo, sorver as raízes, e  decidir sem aligeiramentos, rompendo a superfície.

Na receita para  ser um bom profissional se diz que é preciso ser prático. Mas ser prático não é ser superficial. A inteligência rápida – também chamada argúcia – não implica em analisar a casca dos problemas, ler a capa do livro e etiquetar para julgar e decidir. Ao contrário, argúcia é enxergar com precisão e tino.

Quando se é incapaz de ver o todo, mas apenas o entorno visível, sofremos de miopia intelectual.

Essa miopia é danosa ao outro, a nós e ao espírito – torna o homem torpe e pequeno, compromete a sua capacidade de ser competente, no trabalho tanto quanto na vida.

Ao criticar a sociedade hegemônica do planeta, que conforta o espírito dos liberais porque elegeram um presidente negro e fecha os olhos ao fato de terem feito de um radical o seu sucessor, Chimamanda, essa brilhante escritora e militante, levanta o véu da superficialidade das relações que se tecem no mundo do trabalho que, ao exigir rapidez e eficiência, mergulha o espírito de toda uma geração de jovens empreendedores na vala do artificialismo racista e segregador.

Essa personalidade, que coloca o dedo na ferida da sociedade americana, é a mesma que recebe a recomendação de leitura de seus livros para todos os jovens e adultos da sua maior cidade.

Em recente visita à Finlândia, para visitar escolas e faculdades com um grupo de reitores brasileiros, ouvimos de um alto funcionário daquele país uma eloquente resposta à pergunta “Qual o segredo do alto nível da educação da Finlândia?”

A resposta  foi breve e direta: é a confiança. Os diretores confiam que os professores vão fazer o seu trabalho. E os professores confiam que os alunos vão fazer o mesmo.

O mundo que tece suas relações sob a égide da ética, da confiança e da honradez não segrega, não esconde, não trapaceia. Mergulha com honestidade e confiança em um universo onde a palavra vale e a pessoa é respeitada e respeita - o outro, a relação, o diferente, a comunidade e o país. Uma lição bem oportuna no momento que vive o nosso país.

A confiança se perdeu ou perdeu-se a esperança de que quem segura o bastão irá enfrentar problemas com profissionalismo, empenho e respeito a cada um na sua dignidade, valorizando as diferenças e tirando da alquimia entre diferentes as soluções para os problemas de todos.

Que este diploma, este grau  hoje a vocês outorgado seja um instrumento de luta neste mundo que pretendemos seja de iguais e que, coletivamente, zelem pelo bem de todos.

Essa é a nossa esperança.