UNDB

Acessibilidade (98) 98459-7541 (98) 4009-7090

Colação de Grau 2016.1

23.08.16

Ceres Murad

Reitora da UNDB

Este é um dia marcante na vida de todos aqueles que concluem agora o seu curso de graduação. Um dia marcante precisa ser marcado.

Desde a foto clássica, que um dia já foi tirada pelo pomposo fotógrafo de terno e gravata embaixo do indefectível pano preto, por onde escondia a cabeça, flash empunhado para fora e o “sorria”, naqueles belos tempos –o mundo mudou. E hoje, as formas de marcar um dia como este se diversificaram muito. Além de postarmos as fotos para um público sem fronteiras, podemos escrever a legenda embaixo – contar o que talvez não tenha ficado explícito na imagem, para dar-lhe o verdadeiro sentido.

Qual é a legenda que vamos escrever embaixo da foto de hoje? Que frase explicará a foto? Que espírito transborda do olhar que veremos nessas imagens? O que elas estão contando, não bem aos “leitores “ mas aos  “usuários” ? O que elas estarão dizendo, àqueles que as contemplarão daqui a 20,30, 40 anos?

O importante não é apenas o feito que conquistamos, os alvos que atingimos, o sonho que realizamos, a chegada até a meta que objetivamos nas nossas vidas.

O importante é o COMO chegamos lá, o modo como caminhamos, a forma como escolhemos sonhar, os nossos sims e os nossos nãos, as escolhas que fizemos ao longo do caminho.

Essas escolhas exigem sabedoria.

De onde tirar essa sabedoria?

Os povos, desde a antiguidade, conhecem um meio. Desde os tempos mais remotos, a sabedoria é transmitida pelo mais antigo meio de comunicação de que se tem notícia – os contadores de histórias.

Por meio delas, é possível compartilhar saberes, aconselhar, consolar, instruir.

Os bardos na antiguidade musicavam seu conselhos , para torná-los suaves ou para transmitir, com a ajuda da música, o sentimento que pretendiam comunicar com as palavras.

A mitologia grega é uma coleção de histórias engendrada para dar a cada sentimento e emoção  um enredo com as regras de convivência , regidas por um deus que participava dos atos humanos,  determinando desfechos e selando destinos.

A mítica Sherazadade conhecia o poder das histórias e, durante mil e uma noites, purificou o coração do Sheik do seu desejo de vingança.

Jesus Cristo , o maior  dos contadores de histórias,  utilizou as histórias para apascentar cordeiros, apaziguando corações e inspirando os homens a darem a outra face.

Shakespeare, o grande bardo inglês de idade moderna, acrescentou uma pitada de humor à argúcia com que engendrou histórias que desnudaram a alma humana aos olhos das gerações que o sucederam, revelando as paixões e fraquezas por detrás do drama humano.

Quais são os contadores de histórias do mundo de hoje? Hoje, em todos os lugares do mundo, grupos de pessoas se reúnem para estudar os cases que, não com tanto encantamento e magia, pelo poder que têm as imagens reais e concretas, são capazes de fortalecer a coragem para enfrentarmos os dragões e demônios que habitam as nossas mentes e que costumam nos assolar à noite, quando se faz o silêncio.

O silêncio é propício para as histórias. À medida que as ouvimos, estudamos cases, traçamos o nosso caminho, dirigimos nossas escolhas, pautamos a nossa vida.

E  nós, como vamos contar a nossa própria história? Como escrevemos a página que estamos vivendo aqui hoje, culminância destes últimos quatro, cinco anos ?

Com que espírito a tecemos? Que papel desempenhamos perante os outros personagens que fizeram parte dessa nossa história?

Tocamos música, para suavizar os momentos mais difíceis, como os bardos?

Usamos a força e o poder da vontade de um deus grego para decidir desfechos e selar destinos?

A tecemos com a paciência de mil e uma noites de Sherazade, para amolecer o coração de um sheik vingativo?

A construímos a partir do exemplo de dar a outra face como ensinou Jesus Cristo?

Usamos a visão das entranhas da alma humana de Shakespeare com argúcia? Ou com complacência?

As histórias precisam ser contadas, porque são portadoras da força invisível e poderosa que é capaz de mover os espíritos - por isso são contadas as histórias de uma nação para o seu povo, de uma religião para os seus seguidores, de uma família para os seus membros. Assim, a trajetória dos nossos desejos, tudo o que fizemos para perseguir os sonhos que escolhemos seguir será contada um dia aos nossos netos e bisnetos – a nossa história.

O poder que têm as histórias sobre os que as ouvem foi traduzido, como ninguém,  por Ítalo Calvino, ao contar, no livro “As Cidades Invisíveis”, as narrativas de Marco Polo ao percorrer a China, como embaixador do grande  Kublai Khan, para descrever-lhe o que via.

Certa vez, Marco Polo contou-lhe sobre Eufêmia, uma das cidades de comércio mais intenso de todo o território. Para lá, acorriam mercadores dos sete reinos. No imenso mercado, trocava-se algodão por sementes de papoula, pistache por peças de musseline dourada.

Mas o que fazia os mercadores de trocas acorrerem a Eufêmia era que à noite, ao redor da fogueira, em torno do mercado, sentados sobre barris ou pilhas de tapetes, a cada palavra “lobo”, “irmã”, “sarna”, “batalhas”, “amantes”, alguém contava uma história de “lobo”, “irmã”, “sarna”, “batalhas”, “amantes”.

E ao voltarem para casa, bambaleando sobre seus camelos ou juncos, ao meditarem sobre as histórias que ouviram, os lobos se tornavam outros lobos, as irmãs transformavam-se em outras irmãs, as batalhas em outras batalhas – em Eufêmia, a cidade onde se troca de memória em todos os solstícios e equinócios.

A nossa história servirá de inspiração para transformar a vida daqueles que virão depois de nós... ou não. Será um eco mudo ou o "símbalo que retine", como diz o Evangelho sobre as palavras e os atos de amor.

Não nos faltaram os cases na UNDB para nos inspirar. A vida ensina. A nossa também o fará.

O que desejamos hoje  é que vocês voltem sempre à UNDB para ouvir histórias, cases, ou para contar a sua própria, aquela que teceram, para que se cumpra e se perpetue o ciclo da vida -  vocês, não mais como ouvintes, mas como autores de belas histórias, seus cases,  e nós, já mais velhos e, quem sabe, mais sábios, aqui para ouví-las, em todos os solstícios e equinócios.