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Colação de Grau 2014.2

22.12.14

UNDB

DISCURSO DE FORMATURA – 2014.2

Ceres Murad

 

Em 1974, lavradores da região de Xian, na China, ao iniciarem a escavação de um poço de água, reportaram às autoridades chinesas terem se deparado com o que lhes parecia serem indícios de artefatos de barro de civilizações antigas. As escavações arqueológicas iniciadas então no local revelaram esculturas em barro cozido de figuras humanas em tamanho natural, em trajes de soldado, de pé, ordenados em formação militar – eram os guerreiros de terracota  ou os guerreiros de Xian.

 

Na três fossas abertas  foram encontrados mais de oito mil guerreiros. Junto ao achado, estava um sino de bronze mostrando a localização das fossas com os guerreiros, no qual está indicada a existência de não apenas três, mas 99 fossas – era o mausoléu do Imperador Qin.

 

Esse é sem dúvida um dos maiores achados arqueológicos da humanidade, um monumento fúnebre comparável às pirâmides do Egito, mas que ultrapassa os dos faraós pela dimensão e pelo esmero da artesania com que cada uma dessa estátuas foi executada. Cada guerreiro de terracota é uma réplica de um guerreiro real, com o uniforme, feições e estatura próprios de uma região da China, um primor de detalhes que beira a perfeição.

 

De que nos fala essa impressionante obra?

 

Afora da força avassaladora do medo da morte, que aterroriza aqueles que tem poderes supremos e divinos, como os chefes de estado das grandes civilizações,  mais do que aos pobres mortais, por significar  a perda de tudo aquilo o que em vida lhes foi dado, o que os incitou a agarrarem-se à crença na reprodução literal desses privilégios após a passagem para o outro lado –  exércitos inteiros a seu serviço – essa é uma demonstração do enorme poder desse homem.

 

Segundo ordens expressas, cada família que habitava o imenso território da China à época deveria mandar executar uma dessas estátuas para presentear o mausoléu do imperador. Os presentes eram meticulosamente examinados um a um. Se um exemplar era considerado mal feito, o imperador ordenava a imediata execução de toda a família doadora, homens, mulheres e crianças, por decapitação. Vale lembrar que a decapitação era muito usada na China até o século XVIII por ser considerada a mais suave das penas de morte -  rápida e indolor.

 

O povo da China está habituado à disciplina.

 

Muitos imperadores e alguns regimes políticos autoritários depois, a China vive hoje um apogeu econômico, baseado na indústria de produtos que são desenhados em todas as partes do mundo e fabricados ali por um imenso contingente de operários sem direitos trabalhistas, mas com habilidade e disciplina.

 

O chinês é educado para cumprir ordens. Nas escolas chinesas, o cabelo dos meninos não pode ultrapassar o limite superior  das orelhas e a linha da sobrancelha. A jornada diária de estudos é de dois turnos para os menores e de três para os maiores. Matérias como educação física na escola fundamental compreendem aulas teóricas aprofundadas de anatomia. O nível médio de proficiência nas matérias básicas - língua, matemática e ciências - é extremamente elevado para os padrões mundiais, embora a escrita da sua língua demande alguns anos para ser aprendida.

 

A China está prestes a ultrapassar os Estados Unidos como primeira economia mundial.

 

De que nos fala essa impressionante realidade?

 

A nossa cultura nos habituou a encarar a disciplina de viés, como resquício de autoritarismo ou de negação dos direitos individuais do homem. Somos herdeiros da tradição humanista europeia e do culto americano ao individualismo. O ocidente exacerbou a exposição pessoal como símbolo de auto expressão do individuo, associado à alegria e ao prazer, estabelecidos como meta de educação e de vida.

 

Com efeito, a criatividade e a capacidade de invenção do homem fizeram a sociedade tecnológica avançar, trazendo não só conforto, como melhorando a qualidade de vida, o bem estar e a saúde das populações. Os avanços das ciências nas áreas da medicina e da engenharia, com base na inovação, são responsáveis pela constante elevação da expectativa de vida do homem moderno.

 

Entretanto, se perscrutarmos a fundo o ambiente dos laboratórios onde nascem as grandes invenções da ciência, o que vemos são homens e mulheres, cientistas em dedicação integral, na busca obstinada de patamares mais elevados de acuidade, precisão e resultados, com rigor, método e disciplina espartana.

 

A criação , a invenção, a performance, a competência se alimentam da disciplina, da determinação de colocarmos cada vez mais à frente  o alvo para onde direcionamos a nossa lança, impulsionados a avançar sempre mais.

 

As grandes conquistas científicas e tecnológicas da humanidade se deram em tempos de guerra, quando os rigores das condições extremas a que estiveram submetidos os  povos levou à febre da busca de soluções.  E daquele a quem é dado o dom de ser capaz de descobrir, inventar, criar se exige disciplina, obstinação, capacidade de superar limites.

 

Quando a China abriu suas portas para o capitalismo , uma das exigências às grandes empresas internacionais que lá se instalaram era de que, passado  determinado prazo, os CEOs estrangeiros deveriam ser substituídos por executivos chineses. Foi feito. As empresas começaram a perder competitividade, porque os chineses não eram capazes de apresentar soluções criativas para resolver os problemas e faltava-lhes ousadia. Voltaram os estrangeiros.

 

De fato, a China ultrapassou os Estados Unidos em número de teses de doutorado defendidas, mas não em número de patentes, invenções registradas.

 

Hoje, estrangeiros e chineses convivem bem. Em um fluxo crescente e acelerado, mais e mais empresas do mundo inteiro transferem as bases de seus negócios para uma China que cresce em ritmo alucinante. A população continua, tal qual os guerreiros de Xian, em formação militar, um exército de mão de obra trabalhando de sol a sol, em uma nação que, em um esforço de guerra, precisa alimentar um bilhão de pessoas.

 

Disciplina sem expressão pessoal é escravizante, um retrocesso político e social inadmissível no mundo moderno, em que se exige respeito ao cidadão, à pessoa,  liberdade para a expressão de anseios e necessidades que são únicos, de cada um. A alma do homem se alimenta de liberdade.

 

Por outro lado, criatividade e livre expressão sem disciplina podem fazer uma nação andar em círculos, sem conseguir livrar-se das garras do subdesenvolvimento, incapaz de implantar soluções por mais engenhosa e brilhantemente que tenham sido pensadas. Quando a falta de disciplina, foco e método contamina os jovens, mina talentos, trazendo inatividade e desânimo. A ausência de resultados dissemina o descrédito na própria capacidade de vencer e progredir. Essa é uma endemia que adoece uma nação e pode condenar o seu futuro.

 

Boas intenções e discurso não se põem de pé como política para conduzir um povo. Mas se estas minhas palavras forem capazes de fazer com que vocês, caros alunos formandos de hoje , se  joguem no mundo do trabalho com disciplina e garra para se qualificarem continuamente e excederem limites, dando o melhor de si para aqueles que receberão o produto do seu esforço, nós teremos deixado um legado digno para as próximas gerações.

 

Essa é a nossa lição dos negócios da China.