UNDB

Acessibilidade (98) 98459-7541 (98) 4009-7090

Colação de Grau 2013.1

23.08.13

Meio século após produzir suas mais importantes contribuições para o pensamento do século vinte, a pensadora alemã naturalizada norte americana Hannah Arendt reaparece, impulsionada por Holywood, em um filme de cunho biográfico, para se colocar no meio da cena.

Esse é na verdade o seu lugar, uma vez que se tornou uma representante icônica do pensamento-ação, do pensamento engajado e independente, cuja postura éfonte de inspiração das gerações que a assistiram e a sucederam.

É, em princípio, um fato auspicioso que uma filósofa, pensadora, seja tema em Holywood, mas sua façanha não foi pequena. Judia exilada já na primeira guerra mundial, ativista de sociedades de apoio a refugiados judeus na guerra, ela se torna em Nova York colaboradora da revista New Yorker e, como correspondente, vai a Jerusalém em 1963 assistir ao lendário julgamento do carrasco nazista Adolph Eichmann.

A tese que elaborou após assistir a esse histórico julgamento suscitou uma das maiores polêmicas do século XX - aquela cunhada pela expressão a banalidade do mal.

Ao encarar, na primeira fila do julgamento, o carrasco torturador de milhões de judeus, se indaga: Como pode um cumpridor da lei, um indivíduo até demasiadamente humano, tão comum, ter cometido tais atrocidades? Eichmann, ela conclui, não era nem bom nem mal, era incapaz de julgar, pensava pela mente de seus comandantes, cumpria apenas o seu dever.

Com essas ideias Arendt ateia fogo ao pensamento do século XX. Nada ficou indiferente. De um lado, judeus e simpatizantes das causas judaicas, indignados com o proposto. De outro, todos os pensadores que nelas enxergavam uma profundidade não suspeita à primeira vista – a de que o perigo que ronda os atos humanos é ainda maior e capaz de se repetir, uma vez que a banalidade do mal não ocorre só a indivíduos cruéis, de mente doentia e nem mesmo é uma deficiência de inteligência própria dos medíocres. É antes passível de ocorrer, em dadas circunstâncias, a todo e qualquer indivíduo, uma vez que consiste no apartamento das capacidades de pensar e de julgar.

O mal, postula Arendt, se dissemina facilmente, adentrando mentes sadias, atacando cidadãos comuns, o servidor público exemplar sem mais aspirações que bem servir aos seus superiores, no interior dos seus ambientes de trabalho, travestido de senso de dever e de obrigação.

A perda da capacidade de aliar o pensar ao julgar - esse é o fenômeno que ameaça a humanidade.

Queridos formandos, neste dia em que oficialmente adentram o mundo do trabalho, as reflexões de Hannah Arendt – e o filme – se colocam como fontes importantes para o pensar e o redobrado cuidado no agir.

A sociedade brasileira recentemente assistiu a uma das maiores demonstrações públicas de sua história. E o que tornou a todos atônitos é o fato de que a grande maioria das pessoas e setores que estavam sendo objeto de protesto nas ruas dizia a si mesmo – mas eu, nós, por quê? O que há de errado ou diferente no que fazemos?

Aquilo que fere a ética e que macula a consciência funciona no automático, a ética está fora de moda e a consciência letargiada. O senso comum é de que as coisas sempre foram assim e “é isso que esperam de mim”.

Faz poucas semanas um jovem em São Luís, com cargo assegurado em uma instituição proeminente, pediu sua demissão por não estar de acordo com os métodos ou com a lógica que regia as decisões tomadas pelos seus superiores. Recém casado, agora sem emprego. É caso isolado? Pode ser. Mas não inexplicável por Arendt.

Teoriza ela que o pensamento tem dois momentos. O primeiro é aquele o diálogo íntimo de si consigo mesmo ou com aquele parceiro invisível que habita o nosso travesseiro. O seu subproduto é a consciência. Esse é o ato que dissolve o pensamento préestabelecido e abre as portas para o julgamento pessoal. Potente é esse momento. Inspirada em Sócrates ela diz que “aquilo que mais tememos é a antecipação da presença deste parceiro (ou seja, a nossa consciência) que nos espera no final do dia.”

Esse tipo de pensar não é uma prerrogativa dos filósofos, mas é de uso quotidiano de todos. É o tipo de pensamento que nos confere discernimento, que orienta as nossas opções na vida - as pequenas e as grandes opções – da carreira que escolhemos ao método de arquivar os documentos do trabalho (para serem encontrados ou para serem ocultados?). É no interior dos nossos arquivos que reside a nossa ética. Nada do que fazemos é neutro, tudo é fruto de nossas convicções pessoais, das regras que escolhemos seguir, daquelas que somos capazes de defender no final do dia com o parceiro invisível que habita o nosso travesseiro.

Existe, entretanto uma segunda capacidade de pensar e de julgar, mais elaborada– o pensar representativamente, uma “mentalidade alargada”- pensar do ponto de vista dos outros é que habilita a julgar de um ponto de vista relativamente independente e imparcial.

Essa capacidade é adquirida com o outro, no debate livre, na defesa de ideias que se validam na argumentação com os pares. Para isso os nossos cases os prepararam. Só essa é a verdade de todos. Não apenas a verdade do ator, autor dos atos, mas do espectador participante não ativo, que assiste ao que fazemos e que é, em última instância, a coletividade ou a nação que sofre os efeitos dos nossos atos.

Essa consciência alargada é a exteriorização da nossa capacidade íntima de julgar, de decidir e de orientar a nossa prática profissional e pessoal, em todos os campos para onde partiremos hoje para atuar.

Como ensina Arendt, o ator julga para agir. O espectador julga para extrair sentido do passado.

Que estas palavras fiquem fundo nos seus corações.

É o que desejo em nome de todos aqueles que na UNDB lutaram, empregaram seu esforço, seu trabalho, seu entusiasmo e sua dedicação para fazer de vocês grandes homens e grandes mulheres.

Estamos todos nós hoje aqui perfilados, espectadores do seu sucesso, como um alter ego e uma consciência, desejando que o seu companheiro de travesseiro todas as noites trace com vocês rumos para um futuro de luz e de paz.

É o que desejamos!